Brisas de Paixão

Capítulo II



A "CANDEIA" DA VIDA

Há cerca de uns anos, quando revolvia uns pertences, dos meus falecidos avós, na casa onde habitaram, durante a sua vida inteira, deparei com um objecto estranho, de contornos antiquíssimos, parecido com uma lamparina. Achei bastante interessante o achado e pensei limpa-lo, para por em minha casa a decorar uma estante, se obtivesse a anuência dos meus tios, é claro. Quase me esqueci da "candeia velha", nome com que eu a apelidei, na arrecadação das ferramentas.

Num belo dia, sem ter muitos afazeres, dediquei-me a polir a referida "candeia velha", estava a ficar linda, brilhante, no seu tom dourado, o que lhe dava uma beleza invulgar. Entretanto reparei numa enorme amolgadela, talvez dos maus tratos que sofrera e até mesmo das viagens menos cuidadosas que havia sido submetida. Passei ainda o farrapo velho por cima dela e, quando me preparava para a lançar no balde do lixo, ouço uma voz estranha, num português arcaico. Como qualquer mortal, assustei-me, olhei em volta e vi um vulto dum homem com feições estranhas que, mais fazia lembrar um faquir ou um "rajá" indiano.

- Não tenhas medo de mim, eu sou apenas uma imagem, e sou o guardião ou o génio da tua lamparina ou lâmpada, ou como lhe aprouveres chamar.

Depois de me recompor do susto e da surpresa, após ter recuperado alguma coragem, ainda receosamente, perguntei-lhe - O que pretendes tu de mim, o que poderei fazer por ti...?

- Por mim, nada podereis fazer, como conseguiste por a lamparina a brilhar e cuidaste do meu refúgio, estou autorizado a conceder-te três respostas a outras tantas perguntas que me queiras fazer.

Então fiquei pensativo, sem responder ou perguntar, fosse o que fosse, havia sido apanhado de surpresa, ele apercebendo-se da minha preocupação, adiantou - Dispões do tempo que quiseres, pensa bem, sem precipitações, pois apenas terás essas três perguntas.

Impaciente e sem querer demorar muito tempo, lá me recompus ainda algo receoso, com uma voz arrastada e trémula, perguntei: - Gostava de saber como expulsar a minha dor; - Gostava de conhecer os porquês do Amor; - Gostava de compreender as mulheres;

Ele olhou-me admirado, talvez um pouco surpreso com as minhas questões e começou a dar-me as pretendidas respostas:

- Para tirares e expulsares a tua dor, tens de gostar mais de ti, olhares mais para ti, tratares mais de ti e pensares mais em ti, verás que melhorarás muito;

- Para conheceres os porquês do amor, terás de conhecer a mulher certa, saber escolher de entre muitas e saber quem de facto te quer bem e te vai amar, nisso tens de ser perspicaz e nunca, mas nunca, deves ir atrás da riqueza ou do poder, ou olhar muito á beleza e preocupares-te mais com a pureza da alma, é uma tarefa assaz muito difícil, ficas já avisado;

- Agora, quanto a compreenderes as mulheres, aconselho-te a não o fazeres, pois, quando pensares que estás quase a conseguir, estarás apenas a tocar na linha da loucura e da demência, porque é uma missão muito difícil para qualquer humano sensato, sóbrio e consciente.

Esgotadas as minhas perguntas e respostas, a figura, após perguntar se ficara satisfeito, com as respostas que me deu, sorriu, esboçou uma majestosa vénia e desapareceu, tão misteriosamente como tinha surgido. Eu simplesmente tive tempo de responder que sim, sem ter, sequer, tempo para poder agradecer os sábios conselhos, apesar de ter ficado ainda com mais duvidas, do que as que já tinha antes, deixando-me a meditar, por várias horas, nos conselhos recebidos.

Assim, decidi passar das palavras aos actos e seguir à risca os conselhos daquela misteriosa figura, ainda que, mal soubesse por onde deveria começar a minha procura e a minha demanda, mas, como em tudo, o importante é fazer e, para isso, é necessário tomar a iniciativa, agindo e decidindo, embora bem ou mal, acertando as agulhas e corrigindo os erros notados, durante as muitas jornadas do longo e penoso caminho.

Então, decididamente, após ganhar alguma coragem e ousadia, eu lá amontoei e preparei a minha bagagem para a desconhecida viagem, levando um pão, um naco de toucinho e um garrafão de vinho, um par de sapatos extra, que a caminhada ia ser longa e pedregosa, e ainda, pelo sim ou pelo não, carreguei toda a esperança que consegui reunir e uma enorme quantidade de amor, toda que o meu coração conseguia abarcar, com a fé de poder encontrar a tal mulher certa, descrita pelo tal "rajá" da lamparina.

Gastei uma enorme quantidade de esperança, por cada mulher que encontrava e deparava, no decorrer da cansativa viagem, porém, o amor continuava intacto, sem que eu próprio, ou alguém lhe tivesse tocado. Nunca consegui compreender ou interpretar os desejos de nenhuma dessas mulheres, sem que tivesse tocado as linhas do pensamento insano ou da loucura, conforme a profecia aconselhada, por aquela figura estranha, que residia na lâmpada.

Então, já cansado, da longa caminhada, a cada jornada, reparei, quando passava por um belo jardim, repleto de madressilvas, malmequeres e rosas, no brilho que emanava duma linda mulher, simples, mas com classe, digna de uma Princesa ou Rainha, que por ali passeava sozinha, na sua solidão silenciosa e sorridente. Mal ousei dirigir-lhe a palavra, naquele desconhecido País ou Reino, com receio de ser mal interpretado, fiquei simplesmente a olhar e a admirar a sua graciosidade.

A misteriosa e bela mulher, apercebendo-se da persistência do meu olhar, com uma voz segura e doce, abordou-me, - O que procurais, cavalheiro, pelo que julgo, não sereis destas bandas...?

Surpreso pela sua coragem e determinação, respondi-lhe, de forma lenta e educada, demonstrando que não era um vulgar viajante ou vagabundo:

- Queira desculpar o atrevimento do meu focado e perseverante olhar, mas a sua graciosidade e beleza, impeliram-me a admira-la, por muito que o quisesse evitar, pelo que, deixo desde já as minhas sinceras e arrependidas desculpas;

A donzela, num tom suave e quase musical, agradece o elogio - Estais desculpado cavalheiro, se tiverdes a honra e a gentileza de me responder, com sinceridade, ao que perguntei;

- Afinal em que terra e Reino estou eu...?

Após um sorriso, ela responde, de forma divertida - Estais em Lisboa, a capital de Portugal, ainda não conhecíeis...?

Respondi que não, apesar de já conhecer muitas outras terras e passagens e após ter navegado vários Oceanos e Mares, estava a pisar, como pela primeira vez, esta terra e este Reino. Já mais restabelecido, de algum nervoso miudinho que se tinha apoderado de mim, dignei-me prontamente a responder a todas as missivas colocadas, e a satisfazer as naturais curiosidades, daquela entusiasmante e deslumbrante mulher - Pois como já referi, não sou destas bandas, venho de muito longe, numa viagem bastante penosa e ingrata, para tentar cumprir uma enorme e importante demanda, a qual, ainda não tive a sorte, nem a fortuna, de poder cumprir, com o êxito desejado;

Olhou-me, com um olhar apreensivo, tanto de misterioso, como de maravilhoso, como quem quer saber mais pormenores, sobre a tão espinhosa demanda e, sem que fosse necessário ela voltar a questionar, fosse o que fosse, decidi relatar-lhe, minuciosamente, toda a minha longa viagem e as causas ou motivos que me levaram a tamanha aventura. Então contei-lhe sobre a "candeia velha" e sobre o guardião misterioso que, com os seus conselhos, me permitiu e me deu a coragem, para iniciar a minha tão demorada e árdua procura.

Ela então, no final do meu relato, olhou-me com um olhar meigo e delicioso, esboçou o sorriso mais lindo e maravilhoso do Mundo e disse-me - Vós estais realmente decididos, dispostos e prontos para amar, sem reservas e com todas as vossas forças...?

Sem reservas ou delongas, respondi - É exactamente isso que eu procuro e, é isso que me move e me transmite forças para continuar, tanto na busca da mulher sonhada, como aquela que será por mim amada, preciso oferecer todo o meu amor a quem o prove merecer;

- Pois muito bem, e vós "erais" capazes de me amar...? - Replicou a bela senhora.

Sem saber bem como responder e que palavras usar, apesar de saber, muito bem, qual a resposta que gostaria mais de dar, fui controverso na explicação, mantendo algumas reservas:

- Claro que pretendo amar alguém, depositar todo o meu amor nessa pessoa, oferecer-lhe o meu coração. Mas, gostaria, primeiro, de conhecer bem essa pessoa e ter a absoluta certeza que, desta vez, tudo correria bem e que, ela seria de facto, uma mulher merecedora da paixão e do amor que trago reservado no meu peito.

A linda senhora ficou radiante com a resposta e atirou - Tendes razão, não nos conhecemos, conversamos apenas há algumas horas somente, no entanto, parece que já nos conhecemos há décadas, porque me transmitis confiança, conforto e uma sensação de bem-estar.

Então, já ansioso e bastante emocionado, perante tanta franqueza e sinceridade, disse-lhe em parcas palavras - Pois, tentemos, por mim, agrada-me a ideia e a sensação e, prometo sempre, respeita-la, adora-la e ama-la, até ao fim dos nossos dias, dando sempre o melhor de mim, para provar a confiança e a oportunidade oferecida.

Naquele preciso momento, gastei a réstia de esperança que ainda carregava na bagagem e grande parte do amor que, até ao momento permanecia intacto e intocável, desde que iniciara a minha atribulada, mas já frutífera viagem. Nunca, nas minhas jornadas, tinha visto e conhecido uma mulher assim. Uma verdadeira Princesa, bela, arrojada, determinada, corajosa, inteligente, amorosa e com classe, não podia desperdiçar esta oportunidade única que se me apresentava, e assim fiz.

Desde esse dia e até hoje, tenho continuado a transferir amor, do meu coração para o dela, como se não houvesse amanhã, tendo cumprido o que prometi, tanto no que concerne ao respeito à paixão e ao amor. Procurando conquistar aquele coração, dia após dia e a cada nascer da aurora. Agradeço os conselhos sábios do guardião da "candeia velha" e a esta maravilhosa mulher, que me despertou para a paixão e para o amor, oferecendo-me a cada instante o sorriso mais lindo do Mundo, acompanhado da sua ternura, carinho e Amor.

Espero que, tal como eu, toda a gente encontre a sua candeia da vida, para iluminar a sua caminhada, na rota da paixão e do amor e em direcção à felicidade.

© Afonso Domingues

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