Real & Social
Capítulo I
Realidades da Vida
CHOVE NA ALDEIA
E a chuvinha molhada já cá chegou
Ainda o ameno Outono não acabou
Já troveja e relampeja bem distante
E a chuva chegará cá num instante
O
vento sopra forte das montanhas
Tão frio que nos gela as entranhas
Mas o povo sabe como se aquecer
E crepitam as lareiras ao anoitecer
Formam-se
charcos, coaxam as rãs
Racha-se a lenha todas as manhãs
Recolhem-se os gados aos currais
Com receio do frio e dos vendavais
Arrecadam-se
lenhas para queimar
O Inverno é sério e vem para durar
Retiram-se dos baús os agasalhos
A geada já se pendura nos galhos
Está
o porco na pocilga a engordar
Já era altura dessa matança chegar
Afiam-se as facas na pedra de afiar
Preparam-se os tachos e o alguidar
A
rua fica silenciosa na noite gelada
Acabam as algazarras da rapaziada
Os serões passam-se junto à lareira
Voltam os contos de toda a maneira
Fala-se
do tempo ou da sementeira
Uma história, uma acha na fogueira
Pois estes são tempos que já lá vão
Também à aldeia chegou a evolução
© Afonso Domingues
VERÃO DE DEZEMBRO
Caíram
nevões em altas serras
Ventos e frios por outras terras
Após dias de chuva e trovoada
O Inverno deu uma gargalhada
O povo
fustigado por temporais
Deu para encher rios e arrozais
Mas sempre assim não o quero
Este tempo tão áspero e severo
Um Sol
brilhou quente e radioso
Foi um dia belo tão maravilhoso
As feiticeiras também colidiram
E escuras nuvens já se partiram
E aparece o
belo Planeta Vénus
Ser um astro ou estrelas ténues
Brilhante como um Sol nocturno
Tal estrela ao Deus de Neptuno
As moças
abriram seus decotes
Usando os trajes bem frescotes
Com as suas saias bem subidas
Puseram as ruas mais coloridas
Vendedores
proferiram pregões
Por entre os vigaristas e ladrões
Pela rua estiveram mais turistas
Para doar emprego a carteiristas
Donzelas
passearam os animais
Os pardais cantaram nos beirais
Este Mundo ficou mais animado
Verão de Dezembro abençoado
© Afonso Domingues
AINDA HÁ MULHERES
Dizer que a mulher estará em extinção
É só equívoco e não passa de invenção
Esvoaçam como andorinhas pelas ruas
Umas mais vestidas e outras seminuas
Cada uma com as suas formas e visual
Tão opulentas no seu sorriso magistral
Elas são arrojadas, naturais e virtuosas
Ora simples ou até demais sumptuosas
Cabelos sedosos e compridos ao vento
Queixos erguidos de solto pensamento
E quer seja em casa ou até no emprego
Sua igual dedicação ou afincado apego
Os saltos altos que lhe realçam a perna
A desenvoltura duma senhora moderna
Na troca de mensagens com seu amado
O telemóvel na mão seu vicio malvado
Apressadas pelas ruas e pelos passeios
Com os seus push-up a erguer os seios
Piercing corporal o seu instinto animal
Cobrindo o corpo a arte urbana surreal
Roupas extravagantes e mais trapinhos
São vestimentas caras aos buraquinhos
Modas que passam numa ligeira ilusão
Num instante ou momento de obsessão
Ainda há genuínas e distintas donzelas
Graciosas eruditas e suas feições belas
Há gostos para todos e não desesperes
Pois nesta realidade ainda há mulheres
© Afonso Domingues
ONDE CHEGASTE MULHER
Mulher honrada cada vez mais escassa
Nesta sociedade adulterada ou devassa
Num Mundo de depravação ou pecado
Onde ser cavalheiro foi menosprezado
Homem não tem de ser afável e cortês
E pode comungar vigarice e estupidez
Chegará ser apresentável e ter dinheiro
Então já pode ser ordinário ou brejeiro
Um gracejo ou um olhar são só o sinal
Pura intuição digna do instinto animal
Nos rituais de acasalamento e sedução
Em suspiros de gozo e lasciva emoção
Era suficiente ser modesta e ser única
Calçares umas sandálias e uma túnica
Assentar teu nobre exemplo em lições
Para despertares o afecto dos corações
Homem digno não quer uma qualquer
Somente a dedicada e graciosa mulher
Despida dos sacrilégios e da malvadez
Trajada de amor sem exibir sua nudez
Liga o romance ao teu espirito e alma
Mantem a tua nobreza liberta e calma
Afasta a tua perversa ignorância e dor
Escolhe somente a gentileza e o amor
Onde chegaste mulher nas tuas acções
Trocaste a honra e a glória por ilusões
Hipotecaste a tua mais digna condição
Esbanjaste a mais bela e solene paixão
© Afonso Domingues
DESPIDOS D´ALMA
Seus olhares insípidos e isentos de cor
De rostos pálidos e enfermos pela dor
Prostrados no chão os pobres viciados
Contorcendo-se dementes os coitados
Pelas avenidas já se ouvem os pregões
Dos ruidosos e apressados vendilhões
Despertam a escura cidade adormecida
Enchendo as ruas e o mercado de vida
Abrem-se janelas e ruidosas portadas
As gentes que se atravessam atrasadas
Os arrumadores embriagados acenando
E moradores lentamente vão acordando
Peixeiras alvoraçadas em suas bancadas
Anunciam as espécies de seus pescados
Juntam-se uns curiosos por uma arruaça
Bebericam-se na tasca taças de cachaça
Quem me dera retornar á vida no campo
Bem mais saudável e com mais encanto
Quero fugir desta cinzenta e triste cidade
Ouvir cigarras e recuperar a minha idade
Desligar-me deste amaldiçoado degredo
Para não presenciar este malvado enredo
Procurar a salutar harmonia da natureza
Distanciar-me dessa mesquinha tristeza
Gosto do cheiro do campo e da lavanda
E não quero partilhar tão triste demanda
Sou homem, sou gente, preciso de calma
Não sou e jamais serei Despido d´Alma
© Afonso Domingues
DELÍRIOS INEBRIADOS
Fecham-se tabernas e tascas
E abrem-se outras borrascas
Mas o vicioso negócio ficou
Somente o seu nome mudou
Serão mais novos os clientes
Ou imberbes e inconscientes
Na inócua busca de euforias
E falsas sensações e alegrias
Noites de mistelas ingeridas
Essas tão perversas bebidas
Uma vastidão de fragâncias
Essas alcoólicas substâncias
O degredo que vai ceifando
E o ser humano degradando
Momentos de exuberâncias
De espontâneas ignorâncias
Tristes olhares embriagados
Entranhados e esbugalhados
Ocorrem espectros na mente
O espirito afectado e doente
Continuam assim noite fora
E até vir o romper da aurora
Ficam grosseiros e toldados
Pela luz e sons endiabrados
Já com as cabeças a crepitar
Naquelas horas de regressar
Ao nascer do sol enevoados
E vivem delírios inebriados
© Afonso Domingues
GERAÇÃO DESENRRASCA
Mimados desde um berço dourado
Num mundo que já nasceu cansado
Deslocados pelos fantasmas da vida
Fatalidade duma juventude perdida
Tropa
deixa de ser imperioso destino
E já não se pode incorporar o menino
Os mais fortes vão superar a história
Combatendo numa contenda inglória
O
casamento passa a entretenimento
Vive-se apenas a ilusão do momento
Os pais pagam despesas e confusões
Cuidam deles e dos seus cinquentões
Vivem-se loucos tempos de mudança
Neste planeta sem ordem ou herança
O futuro é hipotecado sem memória
Destruindo-se o passado e a história
Ninguém
sabe quem é dono da razão
Nem o que é passar uma vida de cão
Eram gentes tímidas e pouco vividas
Porém sempre lutadoras e destemidas
Os
serões eram passados com emoção
Ainda não havia internet ou televisão
Essas tecnologias eram desconhecidas
Eram épocas mais alegres e divertidas
Foi a cultura de gente forte e madura
Parca em ostentação de luxo e fartura
Uma sobrevivência surreal e carrasca
Que moldou uma geração desenrasca
© Afonso Domingues
DESLIGUEI-ME DO MUNDO
Esta sociedade incerta e corroída
Uma vivência impostora e fingida
Onde delinquentes são apoiados
E os verdadeiros viram alienados
Já senti as rejeições deste Mundo
Um abismo e um poço sem fundo
Já me desentendi com a maldade
Onde só vive o desdém e vaidade
Eu já sofri duras injustiças na alma
Agora nada me sossega ou acalma
Já tentei ser um homem diferente
Diante de tudo o que se diz gente
Até jurei ser um defensor da
Nação
Só foram contas duma mera ilusão
Tudo que fui dantes agora não sou
Porque já muita gente me enganou
Senti na pele a vil aversão humana
Desinteresses cruéis e sem chama
A tristeza inundou-me sem piedade
Descorando minha razão e verdade
Outrora fascinei-me neste universo
Onde de tudo construí rima e verso
Hoje experimento a ânsia de partir
Porque este povo não me faz sorrir
Eu apenas pretendo aos céus rogar
Que a felicidade nos venha agraciar
Para que na vida possa-mos vencer
E com harmonia e amor poder viver
© Afonso Domingues
DESGOVERNADOS
Ó Pátria que penhoraste o poder
Nua da tua essência e do teu ser
Refém desta sociedade perdida
Sem ideias de futuro e sem vida
Se
dizes verdades és extremista
E se tiveres opinião és populista
Mudam os políticos e os tempos
E já não és livre de pensamentos
Trabalhar
é uma coisa de pobre
Como se já não fosse acto nobre
O Estado paga para não trabalhar
Aos que levam a vida a reclamar
Oferecem
a Pátria ao desbarato
Àqueles que vão cuspir no prato
Somos um triste Povo sem noção
Que destrói a sua própria Nação
Despidos
de virtudes e educação
Acham-se eles senhores da razão
E não lhe podemos desejar o mal
Porque nunca amaram Portugal
© Afonso Domingues
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